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   Tendo em vista as dúvidas enviadas por minhas alunas e professores amigos a respeito da avaliação da Profª Vera Horn da postagem colocada no mural do Profº Godofredo, dividi cada parágrafo do texto em seis partes e comentarei cada uma delas visando esclarecer os pontos mais polêmicos e nebulosos. Como conheço profundamente ambas as obras, fiz essa análise com o intuito de esclarecer a todos em conjunto. 
     Levo em consideração também que existem pessoas que não leram o livro de Buzzati mas conhecem bem como minhas alunas que foram comigo fundadoras do famoso "Clube das Leitoras do Godô" que criamos juntas na Estácio para divulgar suas obras em 2016 cuja página faz sucesso até hoje.
     Espero que minha análise contribua para a valorização de ambas as obras e complemente futuras pesquisas em Literatura Comparada de ambos os autores.
     E parabéns à minha colega professora Vera Horn por tão excelente postagem e pesquisa ! Meus respeitos colega professora e xará !

 

PARÁGRAFO 1
“A um certo momento batem às nossas costas um pesado portão, fecham-no a uma velocidade fulminante, e não há tempo de voltar”.


“Do deserto do norte devia chegar a sorte, a aventura, a hora milagrosa, que, pelo menos uma vez, cabe a cada um. Para essa vaga eventualidade, que parecia tornar-se cada vez mais incerta com o tempo, os homens consumiam ali a melhor parte de suas vidas.”

(na tradução de Aurora F. Bernardini e Homero Andrade)

ANÁLISE DA PROFª VERA DIAS DO PARÁGRAFO 1

Este parágrafo é como se fosse uma epígrafe com dois trechos os quais Vera Horn  retirou do livro de Dino Buzzati e que certamente forneceram a ela os insights para desenvolver as suas considerações nos parágrafos que se seguiram a esse.No livro que coloquei à disposição de vocês o primeiro se encontra na página e o outro na  página

    Se vocês lerem o livro com atenção, notarão que Dino Buzzati é um mestre nas caracterizações psicológicas, e suas descrições são muito boas, dá até para sentirmos na pele o sol do deserto e a desolação da fortaleza onde o protagonista vegeta. Existem algumas partes da narrativa que são surreais, como delírios e sonhos, são tão bem costuradas na trama que quase não se nota a transição.

PARÁGRAFO 2
No romance O bruxo do Contestado, a guerra do Contestado (1912-1916) entra na trama de forma oblíqua através da memória e é recorrente nas falas e aspirações do personagem Gerd Rünnel, que não viveu o período em primeira pessoa (a época aqui é posterior, durante o governo Vargas), mas que desde criança tinha ouvido falar do conflito.

ANÁLISE DA PROFª VERA DIAS DO PARÁGRAFO 2

    A  guerra do Contestado , que vocês que já leram o livro sabem que foi um conflito armado que envolveu posseiros e pequenos proprietários de terras, de um lado, e representantes dos poderes estadual e federal brasileiro, de outro, ocorreu precisamente entre outubro de 1912 e agosto de 1916, numa região rica em erva-mate e madeira, disputada pelos estados do Paraná e de Santa Catarina.
    A pesquisadora declara que na trama essa guerra ocorreu de forma oblíqua através da memória e era recorrente nas falas e aspirações do personagem Gerd. Muitos leitores me perguntarem sobre o significado disso e vou esclarecer aqui.

    Considero que o autor, Godofredo foi esperto na criação do romance pois ele foi  publicado em 1994 e traz traços da ficção que começou a ser produzida justamente na década de oitenta. As características dessa ficção incorporam verdades da história social e política em seus enredos. O autor, ao seguir pelo caminho da ficção histórica, abriu com essa técnica mão de compromissos mais sérios com a verdade histórica, e pode, assim, formular estratégias mais comprometedoras no que tange à denúncia de erros e silenciamentos da história. vamos examinar atentamente como isso acontece em relação ao personagem Gerd. 
         Atentem para o fato de que durante todo o romance as memórias mais importantes acerca desse conflito são expressas por Gerd Runnel, de origem alemã como seu autor ,e é por meio dele que somos capazes de fazer um resgate dessas memórias históricas durante toda a trama. Uma coisa quero deixar claro e evidente aqui : Gerd jamais vivenciou de fato essa guerra. No entanto, podemos claramente observar em diversas passagens do romance sua ansiedade e desejo que ter querido participar. Ele ouviu falar bastante dos combates do Contestado e elas constituem suas mais caras memórias afetivas visto que as ouviu de seus familiares e conhecidos da vizinhança.

     Ao longo da narrativa principal , que foi ambientada na Era Vargas, podemos perceber 
três formas de acesso em relação à temporalidade do Contestado: a primeira é toda carregada de ressentimentos e recalcada através das falas de Gerd Runnel, e está imersa em um certo messianismo que ele rumina internamente e isso pode dar ensejo a uma nova revolta que o personagem acredita poder trazer para a terra o "reino da justiça". A segunda, se manifesta na personagem Frau Bertha, que pensa enxergar nos cablocos um foco de sublevação comunista. E finalmente, a terceira, mais lúcida e racional, é construída através das discussões de uma agremiação de democratas denominada GDE, que costumava se reunir clandestinamente para debater temas relevantes sobre o país.
   

 

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE

 

Uma das melhores coisas que encontrei nesse romance e que serviram para que eu preparasse junto com minhas colegas professoras o projeto pedagógico descrito no livro que lançarei em breve intitulado "Godofredo na Sala de Aula : Relato de Oficinas Literárias com obras do escritor em colégios públicos do Rio de Janeiro." foi constatar que

esse romance é riquíssimo em citações literárias de renome, graças à erudição e conhecimentos profundos do seu autor e isso possibilitou explorarmos muitos caminhos para que nossos alunos não apenas enriquecessem sua bagagem cultural mas também desenvolvessem seu raciocínio crítico.

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   Godofredo, como comprovamos nessa obra, é um excelente escritor que segue uma das características de narradores da cartilha de obras metaficcionais. O livro começa com a narradora escritora,Tecla, dedicando grande parte de sua narração a citar e dialogar com autores e obras. Assim, aparecem, ao longo da narrativa, um número excessivo de citações de nomes de grandes escritores da Literatura Universal que para os que trabalham na área é muito saboroso de ler, mas para os nossos alunos necessitam de nosso suporte para que eles também aproveitem bem todo o conhecimento decorrente delas e essa foi uma das razões pelas quais tive a ideia de escrever esse livro e que servirá de guia para outras professoras no futuro. 

    Logo nas páginas introdutórias do romance vai relacionando comentários sobre sua convivência com outros no exílio a referências a autores, obras e personagens da tradição literária. Vejam sua referência sobre o Harlem:

“sempre gostei de andar pelo bairro negro, desafiadora e cúmplice, aliada dos explorados. Sinto até hoje naqueles passeios, Um livro de Guimarães Rosa ou de Jorge Amado (primeira fase!) debaixo do braço, uma ponta de orgulho por ser brasileira”. (OLIVEIRA NETO, 1996, p. 16).

     Com relação ao sentimento de não pertencimento, a personagem diz:

“Mas quer na Dinamarca, quer na Suécia, quer na Dinamarca, eu sempre me senti como Isaías Caminha no Brasil: E tive a sensação de estar em país estrangeiro” (OLIVEIRA NETO, 1996, p. 16).

     Outros nomes da literatura (e da cultura) vão aparecendo:

A Montanha Mágica, de Thomas Mann; Crime e Castigo, de Dostoievski; 

Frida Khalo, Diego Rivera, I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias, Canto Geral, de Neruda, Maysa, Tchekov (OLIVEIRA NETO, 1996, p. 17).
 

     Além dessas referências literárias, há a referência constante a personagens e fatos históricos: Sousa Dantas, Pinochet, Simon Bolívar, Humboldt, Victor Jara, Canudos, Contestado, República Juliana, que vão se mesclando a referências a personagens fictíciosdo próprio romance: os Runnel, Frau Bertha, Elsa, Dieter, Arcângelo.
     Com tal arsenal de citações, os meus leitores agora podem entender o porquê considero esse romance um rico manancial de referência e fonte de inspiração para criação de projetos pedagógicos visando o desenvolvimento da escrita e da visão crítica dos nossos alunos. Por tudo que eu e minhas colegas vivenciamos nas turmas em que sua leitura foi aplicada e está narrado neste livro, ele deveria ser mais um livro a fazer parte de leituras recomendadas em provas do ENEM e vestibulares de renomadas universidades.

Vejam aqui um belo exemplo de atividade que se encontra em uma das páginas desse livro e que foi prposta aos alunos do Colégio Estadual Marechal Arthur Costa e Silva com excelente aproveitamento e resultados numa roda de leitura da Profª Juliana. que a aplicou.

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PARÁGRAFO 3
 

Quando estava lendo, o livro me remeteu imediatamente a um romance que li há tempos, O deserto dos Tártaros (Il deserto dei tartari), de Dino Buzzati, publicado em 1940, embora sejam obras de temática e estrutura narrativa diferentes (e sublinho isso).


 

ANÁLISE DA PROFª VERA DIAS DO PARÁGRAFO 3

    Meus caros leitores e queridas alunas, o livo de Buzzati foi considerado pelo notório escritor argentino Jorge Luiz Borges, como uma das grandes obras-primas da literatura universal com essa declaração :
    "Há nomes que as gerações vindouras não se resignarão a esquecer."

E, aqueles que decidirem realizar a leitura até a última página de forma destemida, cedo irão perceber a razão desse grande elogio.

    É um daqueles romances mágicos que nos tocam por discutirem sobre a existência humana e nossa relação e conflito com o passar do tempo. Sabemos que essa relação vai se modificando de acordo com a avançar da idade e mais agudamente quando sentimos que nos aproximamos do final de nossa existência.

      São igualmente focados nele alguns dos maiores problemas filosóficos e existenciais que atravessam o espírito humano: a segurança face à ideia de liberdade; a resignação progressiva face à escassez de oportunidades; a frustração que nos acomete de vermos esfumados os feitos extraordinários que imaginamos para a vida e finalmente a velhice encarada como um estado de tortura. 
      Também podemos encarar esse livro como sendo de uma implacabilidade militar, 

Em todos os níveis este é um livro excepcional.
          Para quem gosta de romances existencialista, esse é um prato cheio. Giovanni Drogo, seu protagonista,  logo no início da narrativa recebe com alegria uma missão no forte Bastiani — para ele, a primeira etapa de uma carreira gloriosa. Embora não pretendesse ficar por muito tempo, o oficial de repente se dá conta de que os anos se passaram enquanto, quase sem perceber, ele e seus companheiros alimentavam a expectativa de uma invasão estrangeira que nunca acontece. A espera pelo inimigo transforma-se na espera por uma razão de viver, na renúncia da juventude e na mistura de fantasia e realidade.

          As passagens que li especialmente no Capítulo 6 do livro são as que mais me chamaram a atenção por sua beleza e sabedoria, mesmo que considere uma verdade difícil de engolir.
 

Falta muito? Não, basta atravessar aquele rio lá longe, no fundo, ultrapassar aquelas verdes colinas. Ou já não se chegou, por acaso? Não são talvez estas árvores, estes prados, esta casa branca o que procurávamos? Por alguns instantes tem-se a impressão que sim, e quer-se parar ali. Depois ouve-se dizer que o melhor está mais adiante, e retomasse despreocupadamente a estrada. Assim, continua-se o caminho numa espera confiante, e os dias são longos e tranquilos, o sol brilha alto no céu e parece não ter mais vontade de desaparecer no poente.

Mas a uma certa altura, quase instintivamente, vira-se para trás e vê-se que uma porta foi trancada às nossas costas, fechando o caminho de volta. Então sente-se que alguma coisa mudou, o sol não parece mais imóvel, desloca-se rápido, infelizmente, não dá tempo de olhá-lo, pois já se precipita nos confins do horizonte, percebe-se que as nuvens não estão mais estagnadas nos golfos azuis do céu, fogem, amontoando-se umas sobre as outras, tamanha é sua afoiteza; compreende-se que o tempo passa e que a estrada, um dia, deverá inevitavelmente acabar.

A um certo momento batem às nossas costas um pesado portão, fecham-no a uma velocidade fulminante, e não há tempo de voltar. Mas Giovanni Drogo, naquele momento, dormia, inocente, e sorria no sono, como fazem as crianças.

Passarão alguns dias antes que Drogo entenda o que aconteceu. Será então como um despertar. Olhará à sua volta, incrédulo; depois ouvirá um barulho de passos vindo de trás, verá as pessoas, despertadas antes dele, que correm afoitas e o ultrapassam para chegar primeiro.

Ouvirá a batida do tempo escandir avidamente a vida. Nas janelas não mais aparecerão figuras risonhas, mas rostos imóveis e indiferentes. E se perguntar quanto falta do caminho, ainda lhe apontarão o horizonte, mas sem nenhuma bondade ou alegria. Entretanto, os companheiros se perderão de vista, um porque ficou para trás, esgotado, outro porque desapareceu antes e já não passa de um minúsculo ponto no horizonte.

Além daquele rio — dirão as pessoas —, mais dez quilômetros, e terá chegado. Ao contrário, não termina nunca, os dias se tornam cada vez mais curtos, os companheiros de viagem, mais raros, nas janelas estão apáticas figuras pálidas que balançam a cabeça.” 

Capítulo 6, “O Deserto dos Tártaros” – Dino Buzzati

 

   Ao levantar a história da criação desse romance, descobri uma declaração de seu ator, Dino Buzzati, que afirmou numa entrevista que o romance veio num jorro, numa madrugada quando voltava do jornal para casa. A ideia aconteceu na monotonia do turno da noite, quando trabalhava no jornal italiano Corriere della Sera devido a sensação que o assaltou de uma rotina que nunca acabava e consumia a vida do autor fez com que o romance acontecesse rapidamente. Não é, portanto, de se estranhar o sentimento opressivo que nos assalta ao ler certas passagens da obra. Em certos momentos relembrei até trechos de outro escritor famoso, o Processo de Franz Kafka.
     De fato, O Deserto dos Tártaros é um romance que assume tons quase kafkianos, em que o homem é colocado em uma situação opressiva da qual não pode escapar. Mas enquanto Kafka escreve como um pesadelo Buzzati escreve como uma elegia, cheio de compaixão com o protagonista, o tenente Giovanni Drogo. O Forte Batiani exerce sobre o protaginista e todos aqueles que nele habitam, uma atração tantalizante e os torna cada vez mais incapazes de um regresso à civilização. Notamos que Giovanni Drogo é tomado aos poucos pela tranquila espera pelo inimigo – os Tártaros -, tornando-se essa espera a sua única razão de viver, numa renúncia à juventude e ao abraçar da rotina.

        A conclusão que podemos chegar lendo O deserto dos Tártaros é que quando um guerreiro fica parado, esperando que a guerra apareça, pode morrer de fome de ação. Que também se morre de esperança. 

 



 

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Curiosa e simultaneamente, essa espera-renúncia parece significar também a própria vida. É essa sensação de preenchimento pelo vazio da existência do protagonista que arrasta a história até a sua inexorável conclusão: no último capítulo, Drogo morre (como se o caminhar para a morte não fosse tão-somente a forçosa natureza da condição humana, e sim sua própria razão de ser, algo que acena com a negação da arte, da civilização esses guarda-chuvas contra o tempo de que se vale o homem cultural).
    Tenho por mim e por experiência de vida que nosso saber acumulado pode não evitar nada, mas o conhecimento sempre engrandece. "O Deserto dos Tártaros" , em minha opinião. é uma lição de saber. Á medida que o li percebi um crescimento amargo e prodigioso advindos de sua leitura.


 

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De fato, agora voltando nosso foco para o Bruxo do Contestado, embora a estrutura narrativa imprimida por Godofredo seja diferente da de Dino Buzzati como bem assinalou Vera Horn, não há como deixar de reparar que o personagem Gerd é assaltado pelo sentimento de impotência e frustração vivendo uma guerra dentro de si por não conseguir resolver seus problemas com a esposa e a filha.

   Exatamante como o pesonagem de Buzzati, o tenente Drogo, embora o contexto seja diferente, o grau de expectativa e frustração é o mesmo.
    No Deserto dos Tartaros,  onde desde séculos não vem sinal de vida nos parece que toda a guarnição acampada no Forte Bastianni parece inútil, pela ausência de inimigos visíveis ou mesmo prováveis. Mas há a ilusão de um perigo virtual e constante, que poderia causar a guerra e dar aos oficiais e soldados a oportunidade de mostrarem o seu valor. Por isso vivem todos numa expectativa permanente, que ao mesmo tempo é esperança –, a esperança de poder um dia justificar a vida e ter ocasião de brilhar. Lá neste forte enorme e perdido em meio às areias do deserto, o tempo se esvaiu para Drogo fechando o mundo numa paragem de pedra antecedida por montanhas e desfiladeiros, cercada de penhascos, sucedida pela estepe. Tudo vazio, tudo segregado, como palco solitário onde se agitam homens possuídos por um impossível sonho de glória.
    Da mesma forma, o personagem Gerd vive a esperança de poder ressuscitar os dias de glória e os ideiais do Monge José Maria.Como pudemos perceber, a espera é uma questão de extrema importância em O deserto dos Tártaros, e permite comparações com obras de diferentes países e gêneros. Na literatura brasileira, não foram muitos os autores que trabalharam com esse tipo de espera desenvolvido por Dino Buzzati e um deles foi Godofredo através do personagem Gerd de O Bruxo do Contestado.

 

  

PARÁGRAFO 4
 

 No entanto, dois elementos em especial me levaram a essa associação, o “pesado portão” e a “hora milagrosa”. Como no Forte Bastiani de Buzzati, neste romance o “pesado portão” confina o presente no passado do Contestado e gera a ilusão de um futuro ideal que na verdade não existe mas que é instigado pela visão idealizada do Contestado (como a improvável vinda dos tártaros em Buzzati).

ANÁLISE DA PROFª VERA DIAS DO PARÁGRAFO 4

     O futuro ideal a que se refere Vera Horn é a visão idealizada pelo personagem Gerd de Godofredo, que sonha em um dia implantar a visão messiânica de que era imbuído seu herói, o monge José Maria. É característico do Messianismo a espera, a ansiedade em se encontrar alguém que mude a situação de vida particular e coletiva do local e do contexto em que se vive. Temos exemplos de messianismo em todo o decorrer da história da humanidade. O Messias, profeta enviado por Deus para dirigir e trazer mensagens de paz ao povo, sempre foi uma expectativa inerente ao ser humano. Temos Moisés, João Batista, Jesus no povo hebraico. Temos Buda e Maomé entre os povos budistas e mulçumanos, temos Smith entre os mórmons, Alan Kardec no espiritismo, entre outros.

    Essa procura, que faz parte do ser humano, nos leva a perceber que sempre estamos buscando algo que satisfaça nossas expectativas, que responda, verdadeiramente ou não, nossas questões mais profundas e essenciais. Essa busca não requer sabedoria, nem tempo, nem espaço, nem contexto, ela surge em nosso meio, desde a antiguidade até os dias de hoje, de maneira que por mais simples ou erudita que a pessoa seja ou se torne, ela sempre estará buscando o conhecimento daquilo que ela não entende e faz parte da sua essência.

    Vale aqui mencionar a relação do personagem Gerd Rünnel com o conflito que se iniciou com suas recordações do engajamento de um primo ao movimento revoltoso, passagem que marcou a infância do personagem: Durante muito e muito tempo se falou daquela viagem, e os relatos messiânicos sobre a Guerra do Contestado (NETO,p.130) Contestado impressionaram o menino Gerd.(NETO,p; 105) Assim, durante a narrativa o acontecimento histórico continua exercendo influência sobre o personagem que espera a concretização de uma nova sociedade, a partir da organização dos revoltosos do Contestado que, para alguns tratava-se de fanáticos, para o menino Gerd eram os que tinham a sorte de ver Deus.

PARÁGRAFO 5
 

 A espera dos tártaros se traduz aqui nas obsessões/visões de Gerd Rünnel sobre o Contestado e está intrinsecamente ligada à lógica do pesado portão. Giovanni Drogo vive esse tempo suspenso no Forte assim como Gerd, que projeta um ideal de vida na espera de um Contestado utópico.

ANÁLISE DA PROFª VERA DIAS DO PARÁGRAFO 5

        Já bem comentado na análise do parágrafo anterior a questão do tempo de espera, ressalto aqui que as relações entre presente e passado, próximo e distante, levam os personagens a outro conflito, no caso do romance de Godofredo, a construção da identidade dessa população, formada por etnias diferentes, em uma terra ocupada há pouco tempo. O personagem Gerd Rünnel é emblemático nesse sentido. Descendente de imigrantes possui uma ligação sentimental muito forte com o Contestado. Porém na concepção do personagem, "no novo reino de paz e justiça do Contestado não vai poder ter índio, não são gente" (NETO, p. 108).

     Observei que no romance de Godofredo, os acontecimentos são narrados de uma forma oblíqua e com poucas referências diretas aos episódios do conflito e às figuras históricas participantes da guerra. A narrativa afasta-se da noção tradicional do romance histórico, geralmente restrito à narração de um fato isolado.

    No romance também se nota a maior valorização das experiências subjetivas em detrimento das coletivas, ou seja, a narrativa parte da compreensão individual dos personagens para questões universais.

       Há que se ressaltar que a grande maioria dos personagens do romance de Godofredo é constituída de descendentes de imigrantes europeus de nacionalidades diversas, surgindo daí a imperiosa necessidade de firmar os vínculos que ligam essas pessoas ao espaço físico que ora habitam e solidificá-los pela construção de uma história própria, ou, conforme pensamento do personagem Frau Bertha, "era importante que alemães e italianos se unissem na construção de um país forte" (NETO, p.123).

PARÁGRAFO 6
Mas não é só isso, é claro, esse é só um insight entre tantos. O romance tem muito mais, é uma obra de várias vozes, de vários diálogos - com a história, com a própria literatura, com uma ideia de fronteira que vai do próprio conflito à identidade e à língua, com o tempo dentro do tempo - e de entrelaces, além de levantar questões sociopolíticas relativas às épocas focalizadas, mas não cabe tudo aqui.

ANÁLISE DA PROFª VERA DIAS DO PARÁGRAFO 6

      Com efeito, Vera Horn reconheceu que há muito mais a se dizer sobre ambos os romances mas posso destacar aqui alguns pontos importantes que não devemos esquecer e sempre ressaltar.
            No caso de Buzzati, não há duvida que seu romance é embutido de uma sensibilidade exiatencialista e ele nos mostra uma visão do absurdo da vida humana bem ao estilo de outro escritor famoso, Albert Camus com seus famosos romances A Peste e o Mito de Sísifo.O Deserto dos Tártaros pertence àquela categoria de romances do começo do século XX, onde a preocupação dos intelectuais dessa época era com as questões de identidade em um mundo onde as antigas certezas religiosas e científicas estavam sendo destruídas.
           O Deserto dos Tártaros é em sua essência uma narrativa sobre o tempo e a espera fútil por algo que consiga preencher o vazio e a ansiedade contemporâneas e nos mostra o perigo de nos apegarmos às rotinas impostas pela artificialidade das organizações sociais que imperam na atual sociedade.

        Por sua vez o Bruxo do Contestado é uma narrativa na qual estão presentes algumas características do romance da pós-modernidade, principalmente a fragmentação, formal e temática, que possibilita a coexistência de diferentes posturas ideológicas. Outros elementos atribuídos à pós-modernidade como a valorização da subjetividade e das identidades minoritárias também se encontram lá. Dessa forma, evidencia-se no romance uma ideologia que não busca mais aquele discurso totalizador, capaz de abranger toda uma coletividade humana, mas sim aquele que se encontra aberto a múltiplas interpretações.

        À guisa de conclusão afirmo que  Buzatti/Godofredo criaram no fundo personagens que nos forçaram a pensar sobre o sentido da vida. A espera por algo que não se sabe se vai acontecer, vemos o passar dos anos, as escolhas, ação do destino, a luta do homem contra o tempo, que não cessa, não se interrompe e acaba por diluir os sentidos criados pelos burocratas dos mesmos homens.

      Fica patente que quando se retiram os sentidos atribuídos pelos homens na tentativa e se preencher a vida de significados, a única certeza que resta é a morte. A vida em si é nossa fortaleza.

 

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Cpyright©2019 por Vera Lúcia Lopes Dias 

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