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     Nélida Piñon : nos labirintos da memória, da escritora Dalma Nascimento, é um daqueles livros que para mim, uma estudiosa de Letras,  provocou arrepios de emoção assim que iniciei a leituras dos primeiros parágrafos. Não há como não deixar a nossa emoção aflorar pois Dalma, além de nos contar a vida e a obra de Nélida Piñon, resgatando dos labirintos de sua prodigiosa memória os detalhes de uma vida que por si só já nos assombra pela descrição fabulosa que ela faz das belas paisagens, conquistas e aventuras que povoaram a trajetória no campo literário da amiga e também escritora, Nélida Piñon.

       Ao ler as palavras de agradecimento de Nélida , nas primeiras páginas , não creio que possa encontrar melhor apresentação para para sua autora. Extraio para os leitores e visitantes desse site dois parágrafos tocantes, que me comoveram demais. Segue o primeiro  deles : 

       "Dalma Nascimento é uma sábia. Há anos surpreendo-a à procura do enigma que bendiz e amaldiçoa a obra de arte. A mestra que optou pelos meus livros como objeto de sua elevada especulação intelectual. E que, em estado de amor pela literatura, entregou-se a cada tíulo de minha autoria como uma monja medieval que avança pelo fulcro da escritura convicta de existir no âmago de cada sentença, na urdidura da trama, nas entrelinhas da linguagem, a verdade narrativa que enseja a captação da real linguagem que, embora recôndita, sustenta os pilares da obra de arte."

        Creio que Nélida com essas palavras traduziu toda a capacidade e alcance da escrita de Dalma Nascimento para a realização dessa obra. Já tinha lido muitas resenhas e sinopses dos livros de Nélida Piñon, mas confesso a meus queridos leitores que nenhum deles até agora, embora muitos sejam bem escritos  e façam justiça plena ao conteúdo das obras da autora, me arrebataram mais pela riqueza de detalhes e a constatação de que Dalma Nascimento , de fato, conseguiu a proeza de transportar para o papel com incrível riqueza de detalhes, os aspectos mais relevantes de cada um dos livros dela. Desfrutar da leitura desse livro é percorrer um extenso labirinto de parágrafos de frases pungentes e laboriosamente bem escritos e cuidadas, nenhuma palavra fora do lugar e, ao final da leitura, ao concluirmos que desejamos voltar a percorrer esse labirinto na certeza de que ele , ao contrário da maioria dos labirintos que conhecemos, nunca nos perderemos nele. 

            Vale aqui agora destacar um dos parágrafos desse livro que considero importante que meus leitores guardem na memória. Nele Dalma, guiada pelas palavras da própria Nélida proferidas por ocasião de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, assim define o conceito de cultura, conceito esse que representa o maior desafio a ser implantado nos tempos difíceis por que passa a educação brasileira na era Bolsonaro. Assim a autora nos delcara :

             (...) Porém tomando a própria escritora por bússola e timão, já que é ela o epicentro deste livro, em dezembro de 1996, no seu discurso de posse na presidência da Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon traduziu sua concepção de cultura de maneira poética, filosófica e abrangente. Concebeu-a numa perspectiva dinâmica e criadora nas claves modernas da mobilidade em contínuas transformações interativas:

Estamos cientes de que a cultura capta os instantes dos homens. Uma cultura que não se cristaliza e desafia cada geração com o caos da riqueza e a exuberância do pensamento. A cultura está , entre os homens, par semear a discórdia , o fluxo das emoções desmedidas, mas reveladoras. Habita o homem e extrai-lhe o avesso, suas crateras, o rosto frontal. Não emudece, não recua , não se esconde. Tece simplesmente as intrigas que enlaçam os homens, irremediavelmente, e que facilitam, embora de modo fugaz, o mútuo reconhecimento, (PIÑON,2002, p.99-100).

 

            E Dalma a seguir conclui com brilhantismo o significado profundo dessa  declaração de Nélida :

             

            (...) Justamente pelos entrelaçamentos estéticos, míticos, sagrados, históricos e aos interlocutivos jogos do passado e do presente confluentes em suas composições, várias são as leituras possíveis de sua obra aberta às diferentes áreas do conhecimento : Estudos Culturais, Antropologia, História, Sociologia, Crítica Literária, Filosofia, Psicanálise. Tais saberes convivem fecundos nas paisagens literárias de seus livros, estabelecendo o diálogo, quando  Litertura se enlaça a diversas esferas na epistemologia das confluências da cultura. Ao acolher o novo, o diverso, os desvios junto a temas antigos, sua extensa obra faculta diferents leituras críticas, até com interpretações pós-modernas.

      Considero que neste parágrafo repousa um dos melhores conceitos e significados de Cultura, alvo das maiores preocupações contemporâneas no mundo atual e diz muito a respeito dos tempos em que o Brasil atravessa. Na verdade, creio que a compreensão da cultura exige que pensemos nos diversos povos, nações, sociedades e grupos humanos, porque eles estão em interação. Se não estivessem não haveria necessidade, nem motivo nem ocasião para que se considerasse variedade nenhuma. A riqueza de formas das culturas e suas relações falam bem de perto a cada um de nós, já que convidam a que nos vejamos como seres sociais, nos fazem pensar na natureza dos todos sociais de que fazemos parte, nos fazem indagar das razões da realidade social de que partilhamos e das forças que as mantêm e as transformam. Ao trazermos a discussão para tão perto de nós por meio da literatura de Nélida, Dalma colocou a questão da cultura literária de uma forma mais concreta e possibilitando que ela adquirisse novos contornos. 

       Sabemos que como qualquer arte, a Literatura não tem o poder de modificar a realidade, mas é capaz de registrá-la e de fazer com que os leitores reavaliem a própria vida e seus comportamentos. Isso significa que ela, ao mesmo tempo que provoca a reflexão, responde a algumas de nossas inquietações por meio de construções simbólicas. Com a leitura desse livro de Dalma, entramos em contato com a história da vida e do percurso literário de Nélida Piñon com minúcias deliciosas advindas do extendo conhecimento e convivência da autora com sua biografada e, assim, temos a chance de compreender melhor o nosso presente, passado e adquirirmos conhecimentos para melhorar nosso futuro. Acredito que com a leitura dessa obra os leitores ao interagirem com aquilo que leem (seja tomando nota, refletindo, emocionando-se etc.) adquirirão  uma rica experiência resultantes literaria que lhes proporcionará boas reflexões sobre a própria vida e identidade.

           Dalma Nascimento, como uma guia segura e experiente, nos conduz com mão firme e em segurança pelo labirinto de suas memórias sobre as obras de Nélida Piñon, ouso aventar a hipótese de ter se inspirado  na história da deusa grega  Mnemósine, que ela conta com rara sensibilidade no primeiro parágrafo:

Mnemósine, a deusa grega da memória, está sempre presente na criação artística. Tudo o que o artista compõe - seja ele escritor, músico, pintor, arquiteto, bailarino, cineasta, cantor, desenhista ou desempenhe qualquer outra função criativa - traz a marca de memórias , tanto do passado quanto das circunstâncias do presente pessoal ou histórico do compositor. E, por serem as lendas e mitos reveladores de verdades profundas - fato que os gregos souberam tão bem iluminar mesmo com construções parentemente ingênuas e falaciosas - , a genealogia de Mnemósine, em cada detalhe significante, esclarece o porquê de a memória viver tão próxima do universo da arte. (2015, NASCIMENTO, Dalma. p. 89, Editora Parthenon).

                À guisa de conclusão, não poderia deixar de citar para encerrar com chave de ouro essa minha análise do livro de Dalma o último parágrafo do capítulo intitulado "Mnemósine, a deusa grega protetora dos artistas" com um conselho que ela nos fornece sobre a importância de escrevermos nossa própria história :

 

(...) é necessário escrever memórias. Escrever para fazer lembrar. Escrever para testemunhar. Escrever para lutar. Escrever para tentar que os fatos não sejam esquecidos. Talvez, por isso, pela urgente necessidade de reatar e relatar os laços de perdidas memórias é que esteja sendo tão sintomático o florescer das práticas memorialísticas com tantas produções neste conturbado século XXI.

                    E fazendo minhas as palavras de Dalma, acrescentaria que nunca foi tão necessário como agora no Brasil relatar também as perdidas memórias dos anos de chumbo da ditadura para que o povo brasileiro se conscientize e não se esqueça das lições oriundas do nosso passado. Convido, portanto,  dessa página deste site a lerem esse fabuloso livro e empreenderem uma aventura literária emocionante. Que assim seja !

                

                 

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Figura - Estátua em mármore representando a deusa grega Mnemósine, de escultor desconhecido. O nome Mnemosine (do grego Mνημοσύνη, derivado do verbo mimnéskein, "fazer-se lembrar", "fazer pensar", "lembrar-se") é a deusa da memória, uma das seis filhas titanides de Urano(Céu) e Gaia(a Terra). Ela se uniu a Zeus durante nove noites seguidas na Pieria, e a partir dessa união nasceram as nove musas, a que são atribuidas a capacidade de inspirar a criação artística ou científica. Os romanos a identificaram como Moneta, um dos aspectos de Juno. A deusa grega da memória era considerada uma das mais importantes do seu tempo, foi incubida a ela a responsabilidade de dar nomes a todos os objetos e com o poder da razão deu aos humanos o meio da conversação e o poder da memorização. A memória é/era muito importante para a sociedade naquela época pois os fatos históricos eram divulgados oralmente. Logo a memória é uma dádiva que nos diferencia dos outros seres. É a dádiva que faz com que tenhamos o poder da razão, de antecipar acontecimentos. Tudo aquilo que foi, tudo aquilo que é, tudo aquilo que será, é influenciado pela Memória. 

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