

o bruxo do contestado

Nas palavras de Antonio Houaiss, a obra de Godofredo de Oliveira Neto, o Bruxo do Contestado representava um dos marcos históricos da literatura brasileira da última virada do século pois seria uma obra que provocava um emoção estética e estaria aliada a um hábil trabalho de recuperação da verdade histórica.
Houaiss ainda acrescentou que considerava o Bruxo "obra de envergadura nacional, não nos deixando saudosos de Euclides da Cunha pela proposta fccional audaz e válida".
Este romance foi saudado pela revista Veja como uma das revelações literárias brasileiras e destacado pelos jornais O Globo, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, entre outros.
A autora deste site, Profª Vera Dias, considera que essa obra se configura como uma obra de enorme importância pelo fato de trazer ao lume A Guerra do Contestado e seus importantes desdobramentos que até hoje se constitui um fato histórico pouco difundido no Brasil e pouca ou nenhuma menção é feita nos livros didáticos nas escolas.
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RESENHA DO LIVRO O BRUXO DO CONTESTADO FEITA POR VERA DIAS
A guerra do Contestado deixou milhares de mortos e dezenas de milhares de feridos, entre 1912 e 1916. Não é um acontecimento pela qual o Brasil deva se orgulhar, absolutamente: não tanto pelo fanatismo dos caboclos, mas pelo massacre deles pelo exército brasileiro. De qualquer maneira foi um crise social e política que faz parte da história e precisa ser lembrada, até para que não se repita.
Convém aqui mencionar as palavras do próprio autor sobre sua obra ao ser entreviatado pela Revista Palimpsesto,
"A Guerra do Contestado foi um episódio estruturante na geopolítica mundial do século XX. A historiografia brasileira nunca estudou direito esse acontecimento. Pela primeira vez no continente americano, disputando com o México, foram utilizados aviões com fins militares, armas e munições usadas na primeira Guerra mundial foram testadas no Contestado, emissários do partido dos operários russos, exilado em Zurique, foram enviados à região, representantes dos sindicatos ingleses idem. O maior empreiteiro do mundo na época, Percival Farqwar, foi construir a ferrovia S. Paulo - Rio Grande, passando pela região. A primeira greve organizada por trabalhadores brasileiros se deu naqueles rincões. O conflito Capitalismo x Socialismo, que se preparava no mundo, estava explícito ali. A internacionalização do conflito, por conta da fronteira com a Argentina próxima, ganhou mais vulto. Tropas argentinas foram prudentemente mobilizadas. Rui Barbosa e Epitácio Pessoa foram advogados dos dois estados brasileiros em litígio, Santa Catarina e Paraná, o que dá a dimensão também nacional da Guerra. E, no entanto, pouco se fala a respeito. Eu quis, sim, "aguçar", como na pergunta, a curiosidade do leitor. Havia pouquíssimas ficções escritas sobre. Um romance do Guido Sassi, excelente, aborda o tema com grande habilidade literária, mas ficava preso ao estilo do momento do autor. O cenário ficcionalizado começava naquela época da guerra e parava naquela época. No Bruxo do Contestado quis trazer o tema até os dias atuais. Existe agora um número bem maior de obras ficcionais abordando o tema."
(NETO, Godofredo de Oliveira, (nº Nº 24 | Ano 16 | 2017 | p.15-22)
Godofredo acrescentou também, em outra entrevista no site Shahid Produções Culturais, que para levar a cabo esse livro, efetuou uma pesquisa que levou anos. Ele teve que consultar todos os arquivos e obras disponíveis sobre o tema. E que se valeu também livremente de dados fornecidos em rodas familiares (ele contou que era sobrinho do General Mesquita, que serviu em Canudos como soldado e foi depois enviado para o Contestado). Ao final, a coisa mais difícil que fez foi tomar a decisão de cortar páginas do livro pois senão seu lançamento se tornaria inviável por totalizarem mais de 2.000 páginas.
O autor declarou ainda que seu romance era como chamavam os especialistas um romance de extração histórica, não era um ensaio de história nem um romance histórico. Há, por ser justamente uma ficção, alguma licença poética, como Euclides fez no seu Os Sertões, aliás. Ele se considera um romancista antes de tudo. Porém construiu um diálogo entre verdades históricas, com trechos de jornal da época, com situações literárias. Ele considera que os historiadores estão por certo em melhor situação do que ele para estabelecer a "verdade verdadeira". Acrescentou ainda que dados para serem interpretados estão nas folhas do Bruxo.
Portanto, na montagem de um painel que aborda a Guerra do Contestado, passando desde a Segunda Guerra Mundial até a Ditadura Militar brasileira, o escritor não tenta reproduzir na íntegra os fatos da História. Por meio do que o Wolfgang Iser, autor do livro "O Ato da Leitura - Uma Teoria do Efeito Estético" define como combinação e seleção (2002) na sua teoria do efeito estético, Godofredo conjuga o visível e o invisível, grifando a importância da fatura interna do enredo.
Ao aproveitar ficcionalmente as referências à Guerra do Contestado, o autor livrou-se do compromisso de fidedignidade aos fatos históricos, sem, contudo, apagar o caráter interpretativo de seu discurso sobre tais episódios. Sem abrir mão da arte de contar uma estória, o autor falou da História e, assim, construiu uma ficção que contracena como o real, harmonizando inventividade ficcional e dados históricos.
O principal personagem do romance de Godofredo, que foi publicado em 1994, é representado pela figura de Gerd . Ele é um agricultor que também trabalha numa madeireira e que sonha com o dia em que sua cidade, no interior de SC, se transformará num novo Contestado, onde haverá fartura e reinará a paz e a justiça.
Gerd é casado com Juta e eles tem uma filha, Rosa, que é apresenta deficiência mental e ele não se conforma com o fato. Acha que ela não é de fato sua filha e ouvia dizerem isso pela cidade. Diziam que Rosa era filha de Schultz, que tinha uma filha muda. Ou de Victor, um fazendeiro vizinho, que frequentava com alguma assiduidade a casa de Gerd, que quase nunca estava em casa. Juta gostava de conversar.
Gerd era um homem tranqüilo, mas às vezes, por um motivo ou outro, ele se transformava, ficava irado. Nas horas em que ficava nesse estado, ninguém ousava se aproximar dele. Ele se embrenhava na mata, extravasava lá a sua fúria e voltava para casa de madrugada, sujo, arranhado e cansado. E a vida voltava ao normal. Ninguém tocava no assunto.
Rosa não dormia direito. Às vezes, gritava durante a noite. Então ninguém dormia.
Stelle, a vaca dos Rünnel, dava-lhes o leite com que alimentavam Rosa. Rosa gostava muito dela, ficava horas no estábulo, acariciando a vaca. Como era época da segunda grande guerra, Stelle foi confiscada, mas Gerd recuperou-a logo em seguida. Algum tempo depois, Gerd comprou alguma terra de Victor e Stelle entrou no negócio. Mas ela acabou voltando para casa, pois mais tarde acharam Victor afogado no rio. Havia suspeita de assassinato.
Os Rünnel tinham algumas dívidas e como Gerd não trabalhava mais na madeireira, as coisas estava ficando muito difíceis. Então Juta se prontificou a trabalhar fora, em casa de família, na cidade. Gerd não concordava.
Stelle acabou morrendo e eles foram obrigados a comprar outra vaca, Eva. E Rosa não se acostumava com ela.
Num dia pela manhã, Gerd foi ao curral, como de costume, para cortar capim para a criação. Abriu a porta e encontrou Rosa com um facão na mão, imóvel. Gerd teve um acesso de fúria. A primeira chicotada pegou o pescoço, a segunda o peito, a terceira as pernas, os braços, o rosto. Rosa caiu de Juta, que ouvira os gritos, veio defender a filha. Gerd subiu o morro e voltou só quatro dias depois. A casa estava fechada. Juta tinha aceitado o trabalho na casa dos Jonhoski, que já a conheciam pela sua habilidade culinária. E, importante, Rosa poderia ir junto.
Gerd foi atrás, mas não o deixaram falar com ela. Juta e a filha continuaram trabalhando na casa dos Jonhoski, onde eram bem tratadas, quase como da família. As duas Rünnel, Juta e Rosa, mantinham excelentes relações de amizade com Antônia, outra criada, que era extremamente paciente com a moça excepcional.
Gerd trabalhava muito, fazendo reparos em ranchos, construindo casas de madeira. Mas continuava sozinho em sua casa, não conseguia sequer falar com Juta. Enquanto isso, na casa dos Jonhoski, além do casal e dos dois filhos, um menino e uma menina, havia ainda Wilfredo, um menino de quinze anos, também empregado da casa. Antônia se afeiçoara a ele também. Quanto a Rosa, ele fingia ignorá-la e com Jura ele quase não falava.
Já fazia dois meses que Juta e Rosa estavam trabalhando fora de casa. Gerd vinha periodicamente à cidade para tentar encontrá-las. Os empregados da casa, no entanto, tinha ordem expressa de não deixar ele entrar. Sempre que ele aparecia era recebido por Antônia no portão e ele entregava a ela os presentes que ele trazia para a esposa e a filha, os quais depois entregues às destinatárias.
Um dia Gerd resolveu vender as terras e foi falar com Juta. Ela concordou com a venda.
Nesse tempo uma bomba acabou estourando na fábrica de Tadeus Jonhoski. Não se ficou sabendo quem a colocou lá. Considerou-se o fato como dano de guerra. Comentou-se que o governo indenizou o prejuízo, mas Tadeus sempre negou.
Gerd resolveu aparecer na casa dos Jonhoski. Foi atendido por Antônia, que falava, pensava e agia por Rosa e que, para ele, com ela se confundia. Antônia levou à Juta o estado de extrema ansiedade do marido, que só falava em reino de justiça, da paz, da fartura e que queria ver a filha. Juta não concordou. Ele insistiu, disseram-lhe que se ele não fosse embora, seria preso. Começou a chover muito, mas Gerd continuou por horas e horas caminhando desordenadamente entre a pedra onde costumava sentar para esperar por Juta e o portão da casa.
Na casa reinava um clima de muita angústia entre Antônia, Juta e Rosa.Afinal, duas horas mais tarde, os três adormeceram, mas foram despertadas, por volta de quatro horas, por um grito vindo do quarto de Antônia, seguido de ruídos de passos se afastando rapidamente.Juta foi a primeira a correr e viu a porta do quarto de Antônia aberta. Acendeu a luz e viu Wilfredo banhado em sangue, quase partido em dois na altura da cintura.
Gerd foi visto pelo leiteiro saindo da casa lá pelas quatro e meia.
Ele foi acusado de matar o menor Wilfredo e era, também, o principal suspeito da morte de Victor. Mas nunca foi encontrado. A polícia correu o mato de ponta a ponta, vasculhou grutas e vales, mas não o encontrou.
Acharam somente o seu cachorro com o pescoço destroncado, próximo à casa dos Rünnel.
O declínio dos Jonhoski foi brutal. A mãe morreu de leucemia, o pai foi trabalhar no Catete, ganhando salário. Morreu do coração em 1954. O filho, Walter Kurt, foi morar na Alemanha e nunca mais se soube dele.
Tecla, a filha, escreveu sobre os Runnel e faleceu também de câncer, após deixar os manuscritos da história dos Runnel na antiga casa onde moraram, em São Paulo, no início dos anos 80.
Fica patente em toda a obra que o cotidiano da família de Gerd não aparece gratuitamente na narrativa. Cada marca de violência e dor amplifica as preocupações políticas que pontuam obliquamente o texto. Em paralelo ao projeto de escrita de Tecla, estão as denúncias das agruras dos tempos de guerra, as incoerências do fanatismo religioso e as diversas formas do discurso autoritário do poder. Seja na opressão patriarcal experimentada por Juta, seja no exílio social vivido por Rosa, seja, ainda, na loucura experimentada por Gerd, as tensões sociais estão sempre sendo colocadas em relevo. A consciência de pertencer a uma realidade desigual, por sua vez, acaba por criar em Gerd uma inquietação que, devido à consciência de sua impotência contra os poderosos, não passa de um esboço, de um grande ensaio de luta social que já estreava falido.
Observo que, independente das considerações do narrador a respeito da Guerra do Contestado, encontra-se na narrativa diversas opiniões sobre esse fato histórico. Gerd carregava traumas da infância e, marcado pelas sovas gratuitas que recebera do pai e da madrasta; cresceu carente de projetos futuros até que desenvolveu verdadeira obsessão pelo monge José Maria e a vida no Contestado. Seu discurso sempre enfatiza as vantagens desse espaço, pois ignorava qualquer tipo de comentário que denunciasse os problemas do Contestado (fanatismo, violência, presença dos mercenários). Diversas vezes, a esposa Juta tentou trazer o marido para o presente, argumentando que cada um tem o seu mundo, que o Contestado pertencia ao passado e ele devia tentar cuidar de seu próprio mundo, no presente. Isso para Gerd, no entanto, era impossível, pois não conseguia ser feliz com a vida que tinha. Chegou a surrar impiedosamente sua filha, Rosa, durante uma crise nervosa. Após recuperar o controle sobre si, sentiu-se tão culpado que, julgando-se censurado por João e José Maria, acreditou ser indigno de participar de tão perfeita civilização. Sem o Contestado, só lhe restou a fuga da realidade, a selvageria, o isolamento. Convivendo com essa utópica visão do Contestado, existem as críticas negativas sobre o mesmo. Para vários personagens, esse não passou de um movimento dos arruaceiros. Dentre os discursos sobre esse fato histórico, na Conferência de Elsa, encontramos a síntese das visões sobre o Contestado. Há, inclusive, nesse episódio, um saldo da carnificina gerada pela guerra
Nessa obra, a grande cobertura da Guerra do Contestado (1912-1916) é garantida no texto em função das memórias de Gerd e de sua obsessão por um movimento o qual julgava ser a única solução para todos os problemas político-sociais e, quem sabe, até os pessoais. No início da estória de Gerd e de sua família, as referências ao Contestado, via documentos e lembranças de Gerd, somam-se às alusões ao fascismo e ao nazismo (1919-1939) que chegavam a habitantes do sul do país, por meio da imprensa e de algumas resoluções governamentais. À medida que reproduz a caracterização do sul do Brasil como uma região composta, principalmente, de colônias alemães e italianas, cenas de personagens como Otto Undereich e Victor Bonnatti recebendo notícias de seu país de origem, ou mesmo, sofrendo preconceitos e retaliações em terras brasileiras refratárias ao racismo e demais radicalismos nazi-fascistas, aparecem constantemente na narrativa. Em Diamante, cidade habitada por Gerd e sua família, todos eram cadastrados pela polícia e impedidos de conversar em alemão ou italiano. Isso porque o governo tentava coibir grupos hitleristas que vinham se reunindo no Brasil desde 1929. Nesse mesmo período, um primo de Victor Bonnatti entrou em crise nervosa por ter de ir combater na Itália pela FEB. Enfim, existem vários episódios do cotidiano dos personagens colocando a relação entre a Literatura e a História em destaque.
Cada uma dessas categorias foi trabalhada de modo que o menor detalhe adquirisse valor funcional no corpo narrativo. A nomeação dos personagens, por exemplo, concentra importantes informações, uma vez que sobrenomes como Jonhasky, Kurt, Rünnel, Kellner, Bonnatti recuperam a formação heterogênea do povo brasileiro. Sem falar que nomes como Otto Undereich e Tecla adquirem uma polissemia bastante provocativa, ou seja, por motivos diferentes, Reich e Tecla transportam o leitor para as entrelinhas do discurso. O primeiro nos lembra o III Reich (Terceiro Império) alemão fundado por Hitler, depois da morte do Presidente Hindemburg e de ele ter recebido o título de Fürher (guia), acumulando as funções de Chanceler e presidente. É, no mínimo, irônico que um personagem dissimulado e manipulador como Otto tenha em seu sobrenome o termo Reich. O nome de Tecla, por sua vez, desprovido de conotações políticas, volta-nos para as questões metaficcionais contidas na obra. Justamente a escritora do manuscrito, engajada em registrar os acontecimentos marcantes do passado, possui o nome similar ao do objeto que, integrando máquinas datilográficas ou computadores, viabiliza a produção do texto escrito.
Nomes, personagens, tempo, espaço, foco narrativo, as mais variadas categorias e elementos do romance foram explorados de modo que a abordagem político-social de importantes períodos da História brasileira fosse efetuada sem causar monotonia ao leitor.
Na verdade, pode-se concluir que Gerd é um projeto de guerrilheiro que se esgota no plano do sonhar e na espera de seu messias com a próspera vida no Contestado, lugar onde “só havia fartura e alegria. Injustiça passava longe! Enfermidade nenhuma, só se viesse de fora! Era o reino da paz, da justiça e da fartura - nos rios corria leite, e algumas montanhas eram de beiju” (p.20). Todavia revelava-se pleno em humanidade quando sofria com a deficiência de sua filha. Admirando-a em poucos flashes e transpondo para a mesma as revoltas de seu mundo interior, dizia ele: “Rosa é a minha maior tristeza” (p. 48). Gerd também amava Juta, mas se deixava corroer pelo ciúme, agredia verbalmente sua esposa ao mesmo tempo em que lutava por uma vida melhor. “Entretanto, seu trabalho não resultou em superação e sua revolta, somada a sua ira, foi lhe rendendo fama de doidinho. Pouco a pouco, ele foi se transformando em ‘o bruxo do Contestado’, acusado pelo assassinato do menor Wilfredo Santos Gonzalez e transformado em suspeito principal pela morte de Victor d’Angelo Bonnatti, nunca foi encontrado” (p.196).
Devido às dimensões trágicas da Guerra do Contestado, espanta a todos nós o fato de ter sido esquecido. Nas décadas subsequentes aos eventos, pairou um silêncio a respeito. As gerações mais recentes, mesmo aquelas que cresceram e se formaram nas regiões do entorno onde a guerra ocorreu, permaneceram sem receber informações sobre o conflito na educação formal, e, ainda hoje, esse acontecimento histórico continua à margem dos manuais de História do Brasil, não obstante o trabalho de muitos estudiosos em manter a sua memória viva, procedendo a um intenso trabalho de revisão os trabalhos realizados pela historiografia mais tradicional.
Concluo essa resenha assinalando a importância deste romance pois ele faz uma releitura dos fatos históricos da Guerra do Contestado, valendo-se de uma escrita que consciente e sistematicamente chama a atenção para sua condição de artefato, para propor interrogações acerca da relação entre ficção e realidade. Trata-se, portanto, de uma metaficção historiográfica, que, segundo Hutcheon (1991), tem por característica apropriar-se de personagens ou acontecimentos históricos sob a perspectiva da problematização dos fatos concebidos como “verdadeiros”. Assim a metaficção historiográfica é caracterizada pela autorreflexão acerca dessas “verdades” e pelo questionamento das verdades históricas. No plano formal, essa forma romanesca é marcada pela adoção de procedimentos e técnicas narrativas, como a descontinuidade, a fragmentação da história e a aproximação entre a alta e a baixa cultura. Desta maneira, nas fronteiras entre os discursos literário e historiográfico, o romance de Oliveira Neto resgata a história do Contestado deixando-se impregnar pelo imaginário e mostrando que a (re)construção da história não deve ser lugar do idêntico e do contínuo, mas o próprio espaço da diferença e da dispersão identitária, revelando a persistência de relações de poder.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ISER, Wolfgang. “O fictício e o imaginário.” João Cezar de Castro Rocha, org. Teoria da ficção: indagações à obra de Wolfgang Iser. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999, 68-71.
——. “Os atos de fingir ou o que é fictício.” Luiz Costa Lima, org. Teoria da Literatura em suas fontes. 2 vols. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 955-987.
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HUTCHEON, L. Poética do Pós-Modernismo: história, poesia, ficção. Tradução de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
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OLIVEIRA NETO, Godofredo. O bruxo do Contestado. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.