
Artigo da Profª Vera Dias
Tornei-me uma apaixonada pela Grécia quando estive nesse país em 1995, numa excursão turística, que abarcou dez cidades, que foram Atenas, Milos, Santorini, Mykonos e Zakynthos em pacote turístico de apenas dez dias. Estava na época na companhia de meus pais, que ainda eram vivos. Aquele mar azul turqueza, aquelas casinhas brancas de Santorini e a famosa hospitalidade grega sempre me fascinam até hoje e tenho gratas recordações daquela visita, que me deixou fortes impressões até hoje. E muita vontade de voltar.
A Grécia, particularmente a cidade de Atenas, sempre foi reconhecida como berço do pensamento e da filosofia ocidental. Desde Sócrates, seu discípulo Platão, e o discípulo, deste Aristóteles, foi o centro do maior movimento intelectual humano que formou a sociedade ocidental. Após a ocorrência de vários períodos históricos, guerras e revoluções, o país onde se criaram a democracia, os jogos olímpicos, a ciência política, a matemática e o teatro ocidental, foi perdendo importância para outras nações. Entretanto, hoje, quem seria o maior e mais importante pensador grego contemporâneo à altura dos antigos pensadores?


O escritor e filósofo cretense Nikos Kazantzakis, nascido a 18 de fevereiro de 1883, desde cedo testemunhou muitos dos fatores que marcariam a sua obra e que expressam a violência, o amor, o pecado, a solidão, o horror, a liberdade e a hipocrisia humana, povoando assim seus livros com preocupações metafísicas e existenciais ao estilo dos primeiros filósofos gregos. A ilha de Creta só tornou-se independente da Turquia em 1897, e durante esta época o povo sofreu na pele os efeitos da miséria e da luta pela libertação da dominação turca, traços muito bem testemunhados por ele. Além disso, o também poeta envolveu-se diretamente com a primeira guerra balcânica de 1912, tanto a primeira quanto a segunda guerra mundial e a Guerra Civil Espanhola, que demonstraram ao autor o nível de inquietação e angústia em que estavam tomados os seres humanos.
Para fugir da instabilidade política na ilha de Creta, os pais de Nikos Kazntzakis inscreveram-no numa escola de padres franceses na ilha de Naxos. Entre 1902 e 1906, ele estudou direito em Atenas. Nessa época começou a publicar seus primeiros textos. Em 1907, sua peça "O Dia está Raiando" foi encenada em Atenas, em meio a grande controvérsia. Em outubro deste mesmo ano, Kazantzakis mudou-se para Paris, para estudar com seu tutor, o filósofo Henri Bergson. Na capital francesa, começou uma carreira de escritor e jornalista. Durante a década de 1930, Kazantzakis viajou por vários países da Europa, África e Ásia, como correspondente de imprensa. Escreveu muitos livros, incluindo poemas, reflexões filosóficas e comentários de viagens.
Foi correspondente estrangeiro na Espanha, cobrindo a Guerra Civil Espanhola para um jornal grego. Em 1938, depois de longa gestação, foi publicado seu poema épico "Odisséia", uma obra em mais de 30.000 versos, uma continuação da "Odisséia" de Homero. Em 1939 foi convidado pelo Conselho Britânico para trabalhar em Londres, durante os primeiros meses da Segunda Guerra Mundial. Em 1940, Kazantzakis retornou à Grécia, onde viveu sob a ocupação alemã.
Em 1946 passou a viver na Inglaterra e depois na França, onde finalmente instalou-se na cidade de Antibes. A fama e o reconhecimento literário vieram quando as obras de Nikos Kazantzakis foram traduzidas para outras línguas e ganharam as telas de cinema em adaptações de grande projeção. "Zorba, o Grego", foi publicado pela primeira vez em 1943 e recebeu uma versão cinematográfica em 1964, estrelada pelo ator Anthony Quinn. O filme fez um extraordinário sucesso e deu ao nome de Kazantzakis reconhecimento mundial. Não é para menos. Trata-se de um hino à vida, um poema a liberdade e um convite para experimentarmos a grande aventura de ‘ser humano’.
Investigando a história desse romance, descobri que do ponto de vista literário “Zorba, o Grego”, também era conhecido como “Life and Adventures of Alexis Zorbás”,e foi publicado pela primeira vez em 1946, na Grécia, e depois na versão inglesa em Londres em 1952. Tem como personagem principal um homem fictício chamado Alexis Zorba, o autor se inspirou em um trabalhador mineiro George Zorbás que conheceu e que viveu entre 1867 a 1942. Atualmente, por causa dele, Katzantzakis é considerado o mais importante escritor grego do século XX, ipso facto, escolheu sua Creta natal para ambientar o romance. Mas os acontecimentos reais que lhe inspiraram Zorbás deram-se na Messênia, no sul do Peloponeso, para onde foi, assim como o narrador do livro, explorar uma mina por volta de 1917. Foi aí que conheceu o macedônio Yióryis Zorbás, que se tornou seu amigo e um dos personagens mais importantes da literatura moderna.
Escrito em primeira pessoa, o texto surge com a narrativa de um diário do jovem escritor sobre o tempo despendido ao lado de Zorbás. As proezas vividas por Zorbás são contadas por ele mesmo. Mas, enquanto debate alguma questão com o narrador, a quem tenta demonstrar que é possível viver a vida de maneira menos enfadonha. Entremeando questionamentos filosóficos sobre a existência com as histórias vividas por Zorbás, o narrador trata do que não poderia ser mais humano: a passagem do tempo e a angústia de não conseguir de fato viver.
O filme baseado no romance, representa na minha opinião um clássico sobre as relações humanas e sociais: sobre a miséria e a glória de um homem, o fracasso e a amizade, os obstáculos para que se possa obter uma vida feliz. Enfim, a necessidade de enfrentar os problemas do dia a dia para poder viver uma vida de verdade. O tema “Sirtaki”, de Mikis Theodorakis, tornou-se popular como canção e dança especialmente em festas.
Também real é o amigo Stavridákis, que no começo do livro é o homem que caracteriza o narrador como “roedor de papéis”, levando-o a mudarem o rumo de sua vida. Stavridákis foi diplomata de carreira e junto com Kazantzákis, ministro da Previdência e Assistência Social da Grécia e Yióryis Zorbás repatriaram 150.000 gregos estabelecidos no Cáucaso, onde eram perseguidos pelos revolucionários russos na segunda década do século passado. Questões políticas e certa crítica ao nacionalismo perpassam a história. Zorbás, por exemplo, diz que pela pátria matou, roubou, incendiou aldeias. - “Afinal, eu criei juízo, agora olho para os homens e digo: - Esse é um bom homem, aquele é mau’. Não interessa se é búlgaro ou grego, para mim dá no mesmo”.
Questões políticas também são citadas historicamente como o autor ter perdido o Nobel de Literatura para Albert Camus, em 1957. Há a suspeita real de que a “diplomacia” grega tenha interferido para que ele fosse preterido anacronicamente comunista.
Outra obra de Kazantzakis adaptada para o cinema foi "A Última Tentação de Cristo". Publicada em 1948, a obra foi levada às telas em 1998 por Martin Scorsese, causando grande polêmica pelo tratamento humano dado à figura de Cristo. Na época de sua publicação, o romance causou a excomunhão de Kazantzakis.
Para entender a obra de Kazantzakis, autor de romances imortais que tratam de temas universais, elaborei extensa pesquisa e verifiquei que esse autor tomou o cuidado de focar sua obra na sólida expressão dos mais contraditórios e ativos sentimentos humanos de seus personagens que assolam a humanidade. Profundamente influenciado por Nietzsche, até 1936 foi um peregrino que, além de ter testemunhado várias guerras do século 20, viajou pela Rússia, Europa, Oriente Médio e Extremo Oriente em busca de novos lugares, novas expressões, novas situações, novas idéias de mundo e de vida que respondessem as suas perguntas. Além disso, em 1923, realizou uma peregrinação pelos locais que o filósofo alemão visitou e a sua convivência com intelectuais alemães marxistas em Berlim fez com que apoiasse o socialismo.