GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO
NA SALA DE AULA
APLICAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS
COM LIVROS DO ESCRITOR
Ana e a Importância da
Educação Escolar Indígena
Profª Vera Dias
“Pergunto coisas ao Buriti; e o que ele responde é: a coragem minha Buriti quer todo o azul, e não se aparta de sua água - carece de espelho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.”
(Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)
Os projetos pedagógicos implantados em duas escolas públicas com ajuda do livro "Ana e a margem do rio" de Godofredo de Oliveira Neto, narrados e documentados no meu livro a ser lançado em breve, ultrapassaram o mero domínio da linguagem e o prazer dos alunos desfrutarem apenas de uma bela história. Eles adentraram no terreno da defesa da cultura que é atualmente a mais ameaçada do planeta : a cultura indígena e as atrocidades que vem sido cometidas contra nossos índios e que só fizeram aumentar desde o início do governo Bolsonaro, conforme já atestaram inúmeras reportagens.
O que ficou patente, para as professoras e os alunos dos colégios estaduais que trabalharam com esse livro, foi a constatação de que a educação não se restringe apenas a transmissão de informação acumulada, mas também à transmissão da cultura e seus diversos símbolos que compõem uma sociedade. No caso brasileiro, a transmissão de tais bens (cultura indígena) se torna um problema, por ser uma minoria étnica reprimida pelo branco. Devemos ressaltar aqui a grande diferença entre educação e educação escolar. A educação não é um modelo único, a escola não é o único lugar onde se pratica e o professor profissional não é o único que ensina.
Todos os dias as trocas ocorrem, entre os homens e natureza, com o corpo e a consciência acumulando a sabedoria de um grupo social. Os próprios índios possuem uma pedagogia própria para a transmissão de conhecimentos, mantendo vivas as tradições. Essas pedagogias contribuem para uma política e pratica educacional adequada aos desejos e necessidades dos povos indígenas. Alguns destes conseguiram manter sua alteridade graças a estratégias próprias das quais uma é a ação pedagógica. Antes da colonização já existia uma educação indígena, a educação escolar é que é nova . O foco da educação não visa preparar o homem para experiências novas, mas para conformar-se ao outro, ao diferente, reconhecendo a diferença (consciência da alteridade). Além de converter o individuo em ser social, incentiva à formação de aptidões orientadas no mesmo sentido (FERNANDES, 1964, p.10).
A educação “ideal” seria aquela que preparasse os indivíduos para as escolhas que respondessem em termos da dinâmica do sistema social de reintegração do padrão da existência da ordem e justiça social. A educação escolar indígena, que o projeto procurou transmistir aos alunos tendo como suporte a história do livro, não foi a defesa da saída dos índios de suas aldeias e a integração deles na vida do homem branco (porém não exclui a possibilidade de que eles queiram fazê-lo por opção), mas sim para que eles possam se comunicar entre si e para fora das aldeias defendendo seu modo de vida e como forma de preservação de suas tradições. A educação está relacionada às mudanças de sujeitos e mundos em algo melhor de acordo com cada visão do que é “melhor”. Porém, e isso foi muito bem enfatizado aos alunos, a mesma educação que ensina pode ser usada como forma de dominação de um povo, como ocorreu com os índios brasileiros ao longo da história.
Assim sendo, os projetos pedagógicos implantados tendo o livro como base de consulta, através das pistas fornecidas pelos diálogos entre Ana e seus amigos na narrativa, levaram os alunos a investigarem como ocorreu a educação indígena ao longo da história brasileira, que foi usada para dominar aquele que era diferente, pois o diferente tanto pode atrair interesse como pode causar medo e desprezo, e que por ser diferente é tomado como inimigo e que para vencê-lo e subjuga-lo deve tornar o outro igual a mim. Há vários artifícios para esse domínio, muitas vezes até chamados de “encontros de culturas” na verdade é o trabalho de tornar o outro mais igual a mim para colocá-lo melhor ao meu serviço, portanto a educação que eles devem almejar caso um dia se tornassem professores era que pudesse contribuir para manter a diversidade e não aquela que uniformizase o povo brasileiro.
Os alunos também, com ajuda das professoras e pesquisando as questões propostas, tomaram consciência de que, mesmo com as mudanças na Legislação ainda há uma longa caminhada para sair do papel as propostas educacionais. A discussão nunca é esgotada quando se trata de um assunto tão importante e polêmico como este que a narrativa do livro trouxe à tona. Professores e alunos tomaram consciência nesse projeto que todos têm o dever de denunciar e dialogar, em defesa das sociedades indígenas. Além disso, no caso dos professoras de Literatura e História que trabalharam em conjunto nesse projeto organizado por mim, elas colocaram em discussão com seus alunos a questão do índio na sala de aula não como uma cultura homogênea, um índio genérico, mas como parte da identidade do nosso país, como um povo que não só ajudou a formar o povo brasileiro, mas que ainda existe, mantém a sua cultura e que pode nos ensinar muitas coisas com ela como exemplo a respeitar mais o meio ambiente, desapego com as coisas materiais entre muitos outros ensinamentos que faltam a nossa sociedade. E nisso, a história da indiazinha adolescente Ana e os conflitos vividos por ela e seus amigos só estimularam e ampliaram a visão dos alunos sobre essa importante questão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS :
FERNANDES, Florestan. Notas sobre a educação na sociedade tupinambá, São Paulo: jan.1964.